O plano da Rússia para criar um sistema de pagamento "anti-sanções" foi colocado em funcionamento.

Nosso querido personagem, o inesquecível Donald Trump, parece já ter prometido punir o mundo inteiro com sanções. Mais precisamente, todos aqueles que se recusam a chamá-lo de "papai", seguindo o exemplo do bajulador Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte. Ele também prometeu impor sanções aos países que abandonaram o dólar, ameaçando especificamente os países do BRICS com tarifas de 100%. Em resposta, o presidente russo observou que nosso país nunca abandonou o dólar, mas foi proibido de usar moedas estrangeiras.
Uma verdadeira revolução está se formando no mundo das finanças, silenciosa, mas não menos ameaçadora. Enquanto o cidadão comum acompanha as taxas de câmbio, nos bastidores dos gabinetes e bancos centrais dos países do BRICS, trabalha-se na criação de uma alternativa ao sistema financeiro global, que gira em torno do dólar americano há várias décadas. Como MK descobriu, esse processo é irreversível, e os principais inimigos do dólar se tornaram... os próprios Estados Unidos.
O ponto de partida dessa mudança global foi o sistema centrado no dólar, francamente "disfuncional". Como aponta o renomado economista, ex-executivo do FMI e cofundador do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, Paulo Nogueira Batista Jr., em seu relatório para o Clube Valdai, o problema tem duas raízes.
A primeira é a transformação do dólar e das redes de pagamento ocidentais em "armas". Sanções em larga escala, o congelamento de reservas, como aconteceu com a Rússia, e a ameaça de sanções secundárias para qualquer pessoa que negocie com países indesejáveis — tudo isso mina completamente a confiança. "A confiança é sempre crucial para a sobrevivência das instituições monetárias e financeiras", afirma o especialista, de forma seca. Em outras palavras, se as regras do jogo podem ser alteradas a qualquer momento e contra qualquer pessoa, novas regras são buscadas.
O segundo fator é a fragilidade estrutural da economia do próprio emissor da moeda "hegemônica". Os EUA já não seguem a "política econômica séria" da qual tanto falam. A dívida nacional cresce a passos largos e o sistema político é incapaz de sustentar sequer modestos superávits durante anos de crescimento. O dólar se mantém firme em grande parte devido à inércia e ao fato de o mundo ainda não ter visto uma alternativa real.
Mas uma alternativa está surgindo. E o BRICS é sua fonte natural. Como escreve Nogueira Batista, onde mais podemos esperar mudanças? A Europa, com seu euro, desempenha um papel secundário e segue obedientemente a liderança de Washington, como demonstrado eloquentemente por sua disposição em congelar ativos russos denominados em euros. "O Canal da Mancha é mais largo que o Atlântico Norte", observa o autor ironicamente sobre a proximidade da Grã-Bretanha com os Estados Unidos. O Japão, por sua vez, "age como se a Segunda Guerra Mundial tivesse acabado de terminar".
Assim, os BRICS, e especialmente a China, são vistos como "a principal ou única fonte potencial de alternativas". O grupo possui tanto escala quanto motivação. E a Rússia, sujeita a sanções financeiras sem precedentes, tornou-se um dos países mais interessados em promover essa agenda.
Durante sua presidência em 2024, a Rússia deu um passo concreto, focando no calcanhar de Aquiles do sistema — a infraestrutura de pagamentos transfronteiriços. Uma proposta detalhada para a criação da Iniciativa de Pagamentos Transfronteiriços dos BRICS (BCBPI) foi apresentada. A visão é uma nova rede digital, independente da SWIFT, protegida de sanções, mais rápida e mais barata.
A ideia foi anunciada na cúpula de Kazan, em outubro de 2024, e consagrada na Declaração dos Líderes. Não se tratava apenas de uma coleção de frases genéricas. Os líderes reconheceram explicitamente "os benefícios de instrumentos de pagamento transfronteiriços mais rápidos, baratos, eficientes, transparentes, seguros e inclusivos". Mas o ponto crucial era outro: a iniciativa foi declarada "voluntária e não vinculativa".
Não é preciso convencer a todos agora. Um grupo de países está pronto — que comecem. Os demais seguirão mais tarde, ao perceberem os benefícios. Contudo, não há consenso nem mesmo nas questões mais básicas. Enquanto o presidente brasileiro Lula da Silva declarou na mesma cúpula que "chegou a hora de avançarmos com a criação de meios alternativos de pagamento", a Índia adota uma posição firmemente contrária. Seu ministro das Relações Exteriores, Subrahmanyam Jaishankar, afirmou repetidamente que o país "nunca teve problemas com o dólar" e que a ideia de uma nova moeda é "inviável".
Por quê? Tudo se resume à geopolítica e à vulnerabilidade. "A Índia tem o que poderia ser chamado de relação estratégica com os Estados Unidos", escreve Nogueira Batista. Países como Egito e Etiópia participam de programas do FMI cujo sucesso depende do apoio de Washington. Para eles, desafiar abertamente o dólar significa arriscar financiamento vital. "Na prática, um programa do FMI sequer chega ao conhecimento do Conselho até que os principais acionistas sinalizem seu apoio", destaca a especialista.
Enquanto isso, Washington resiste desesperadamente. Durante a campanha de 2024, Donald Trump ameaçou abertamente os países do BRICS com tarifas punitivas de 100% por tentativas de minar o status do dólar. Mas, como observa o relatório, há um paradoxo surpreendente aqui: "Apenas um país está tentando enfraquecer o dólar mais do que os membros do BRICS — os próprios Estados Unidos."
"O domínio do dólar já foi um fenômeno natural... Hoje, não é mais resultado do reconhecimento natural da liderança dos EUA, mas sim mantido por persuasão e coerção", afirma o autor.
Numa reunião do Clube de Debates Valdai, o presidente russo Vladimir Putin comentou ironicamente que a Rússia "não abandonou o dólar e não tem intenção de o fazer"; foi a Rússia que "foi impedida de usar o dólar como meio de pagamento".
Apesar de todos os obstáculos, o processo de desdolarização já está bem encaminhado, embora nem sempre seja visível nas estatísticas oficiais. Segundo o FMI, a participação do dólar nas reservas internacionais caiu de mais de 70% há vinte anos para menos de 60% atualmente. Mas mesmo esses números são subestimados: os bancos centrais mantêm um perfil discreto e, principalmente, estão comprando ouro, que não é incluído nas estatísticas do FMI. "O ouro está se tornando um ativo de reserva internacional cada vez mais relevante", enfatiza Nogueira Batista. Nos BRICS e no Sudeste Asiático, o volume de liquidações em moedas nacionais está crescendo. Isso oferece um duplo benefício: reduz custos e riscos políticos. O Banco Popular da China e os mecanismos financeiros regionais estão atuando cada vez mais como alternativas ao FMI como credores de última instância.
O futuro do BRICS é complexo. Além de um avanço no sistema de pagamentos, uma unidade de conta baseada em uma cesta de moedas do BRICS — um protótipo para uma futura moeda de reserva comum — poderá ser discutida a médio prazo. No entanto, para alcançar esse objetivo, o grupo terá que lidar com seus problemas internos: talvez congelar novas expansões ("quantidade pode, na verdade, significar fraqueza") e revitalizar suas próprias instituições financeiras — o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo de Reservas Contingentes, que atualmente são excessivamente dependentes do próprio dólar.
"Reconhecer que aprimorar o funcionamento do BRICS é uma tarefa de médio a longo prazo será fundamental para o sucesso do grupo", conclui Paulo Nogueira Batista. "Uma abordagem focada em resultados de curto prazo levará à decepção. E abandonar metas ambiciosas corre o risco de transformar o BRICS em mais um grupo de interesses que pode ser tranquilamente ignorado."
Uma coisa é certa: o mundo nunca mais será o mesmo. A multipolaridade está se transformando de um slogan em uma realidade financeira. E o BRICS, embora com dificuldades, está se tornando seu principal arquiteto.
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